Última Atualização 8 de abril de 2025
O processo estrutural tem ganhado destaque no cenário do Direito Processual Civil contemporâneo, especialmente diante de demandas que envolvem questões complexas e coletivas, como a efetivação de políticas públicas e a garantia de direitos fundamentais. Trata-se de um modelo processual que extrapola os contornos tradicionais do processo judicial individualizado, sendo voltado à reestruturação institucional ou de políticas públicas que se mostram insuficientes para assegurar os direitos constitucionalmente assegurados.
A origem histórica do processo estrutural remonta aos Estados Unidos, entre as décadas de 1950 e 1970, período em que o Poder Judiciário passou a atuar de forma mais incisiva diante da ineficácia dos poderes Executivo e Legislativo na concretização de direitos fundamentais. O marco inaugural dessa teoria é o célebre caso Brown vs. Board of Education of Topeka (1954), em que a Suprema Corte dos EUA declarou a inconstitucionalidade da segregação racial no sistema público de ensino. Essa decisão determinou uma mudança estrutural nas políticas educacionais, e inaugurou uma fase de ativismo judicial voltado à proteção de direitos coletivos.
Nesse contexto, o processo estrutural surgiu como resposta jurisdicional à omissão estatal ou inércia institucional. Ele se aplica em situações em que as políticas públicas ou privadas são incapazes de garantir direitos fundamentais, levando o Judiciário a intervir não apenas com uma condenação pontual, mas com uma atuação reestruturadora, baseada em cooperação, diálogo institucional e construção coletiva de soluções.
De acordo com o professor Fredie Didier Jr., o processo estrutural tem por finalidade resolver litígios complexos e coletivos que não encontram solução adequada no modelo tradicional de processo judicial. Seu objetivo é, por meio de adaptações procedimentais, reorganizar sistemas, instituições ou políticas públicas, assegurando a efetividade duradoura dos direitos fundamentais.
Características do Processo Estrutural
Segundo Fredie Didier e Hermes Zaneti, o processo estrutural possui cinco características essenciais:
- Base em um problema estrutural (PE): O litígio decorre de um estado de coisas ilícito ou de desconformidade sistêmica, que afeta amplamente grupos sociais.
- Modelo de transição: Visa promover uma passagem gradual do estado de desconformidade para uma situação ideal ou de conformidade.
- Procedimento bifásico: Há uma fase de constatação do problema estrutural e uma fase de implementação de um plano de reestruturação.
- Flexibilidade procedimental: Caracteriza-se por medidas processuais atípicas, como intervenção de terceiros fora dos moldes tradicionais, alteração do objeto litigioso, uso de decisões parciais e de técnicas de cooperação judiciária.
- Consensualidade: A solução não é imposta unilateralmente pelo juiz, sendo essencial a participação dos diversos atores envolvidos, inclusive para a adaptação do processo (art. 190 do CPC).
Além disso, o processo estrutural costuma apresentar multipolaridade, complexidade fática e jurídica e envolvimento coletivo, embora tais elementos não sejam indispensáveis para sua configuração.
Decisão Estrutural
O resultado do processo estrutural é, frequentemente, a chamada decisão estrutural, que não apenas reconhece um direito, mas prescreve metas a serem alcançadas (normas de conteúdo aberto) e define os meios para tal (normas-regra). Ela tem, portanto, conteúdo normativo complexo, com forte caráter de gestão pública, e exige monitoramento constante do Judiciário sobre sua execução.
Aplicação no Brasil
No Brasil, o processo estrutural ainda é uma novidade relativa, mas tem sido utilizado em casos de grande relevância social. O Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu sua importância, criando o Núcleo de Processos Estruturais Complexos (Nupec), voltado ao acompanhamento técnico dessas ações. Segundo o ministro Luís Roberto Barroso, os litígios estruturais envolvem violações massivas de direitos, exigindo que o Judiciário não apenas declare direitos, mas acompanhe a elaboração e a implementação de planos corretivos.
Entre os exemplos de processos estruturais no STF estão:
- ADPF 347 – condições degradantes no sistema prisional;
- ADPF 635 – letalidade de operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro;
- ADPF 709 – desintrusão de terras indígenas;
- ADPFs 743 e 760 – queimadas e desmatamentos na Amazônia e no Pantanal.
O presidente do STJ, ministro Herman Benjamin, também reconhece o valor do processo estrutural, ressaltando que tais litígios quebram a ideia de que há um autor isolado, uma vítima isolada e uma decisão isolada. Em regra, são ações contra o Estado por omissão ou inércia, visando promover mudanças estruturais em benefício da coletividade.
Desafios do Processo Estrutural
A condução adequada de um processo estrutural envolve diversos desafios:
- Compreensão da complexidade do litígio, ouvindo todos os grupos afetados;
- Elaboração de um plano de reestruturação institucional, com metas claras;
- Implementação do plano, com ou sem consenso;
- Avaliação dos resultados, para aferir se houve avanço no sentido da conformidade;
- Revisão do plano, conforme os resultados e eventuais efeitos colaterais;
- Nova implementação, com reinício do ciclo até que se alcance uma solução estável e efetiva.
O processo estrutural representa uma importante evolução no campo do Direito Processual Civil, ampliando o papel do Judiciário diante da complexidade dos litígios contemporâneos. Mais do que julgar conflitos individuais, o Judiciário passa a atuar como agente de transformação social, promovendo a reestruturação de instituições e políticas públicas que falham na proteção dos direitos fundamentais. Ainda em construção no Brasil, o processo estrutural se consolida como instrumento fundamental para a realização da justiça coletiva e da dignidade da pessoa humana.
VUNESP (2024):
QUESTÃO CERTA: Quais são a origem e o primordial pressuposto do denominado processo estrutural?
A) O processo estrutural surgiu na jurisprudência dos tribunais superiores da Alemanha e somente é admitido quando o processo individual não atinge a sua finalidade.
B) O processo estrutural surgiu na doutrina dos EUA e tem como fundamental requisito a insuficiência das políticas públicas ou privadas para assegurar determinados direitos dos cidadãos.
C) O processo estrutural tem base na dogmática da doutrina italiana e foi idealizado por Francesco Carnelutti a partir do seu conceito de lide, qual seja, um conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida.
D) O processo estrutural é um instituto forjado nas fontes do commom law, que visa a proporcionar benefício a um potencial litigante.
A resposta correta é a letra B porque ela apresenta com precisão a origem histórica e o pressuposto fundamental do chamado processo estrutural, conforme reconhecido amplamente pela doutrina e jurisprudência atual.
A alternativa B afirma que o processo estrutural surgiu na doutrina dos EUA e tem como fundamental requisito a insuficiência das políticas públicas ou privadas para assegurar determinados direitos dos cidadãos. Isso está correto. O processo estrutural de fato surgiu nos Estados Unidos, entre as décadas de 1950 e 1970, como reação a problemas estruturais ligados a políticas públicas ineficazes, especialmente no caso Brown v. Board of Education (1954), que enfrentava a segregação racial no ensino público. Seu pressuposto essencial é a falha ou insuficiência das políticas públicas ou privadas para garantir direitos fundamentais. Nessas situações, o Judiciário é chamado a intervir com soluções que vão além do modelo tradicional do processo, muitas vezes envolvendo reestruturações institucionais e decisões com monitoramento contínuo.
A alternativa A está errada porque o processo estrutural não surgiu na Alemanha, mas nos Estados Unidos. Além disso, sua aplicação não está limitada à ineficácia de processos individuais, mas à necessidade de enfrentar problemas estruturais coletivos, como a violação massiva de direitos fundamentais.
A alternativa C está errada porque o processo estrutural não foi idealizado por Francesco Carnelutti nem tem origem na doutrina italiana. Carnelutti é importante na teoria geral do processo, mas não está relacionado à origem ou ao conceito de processo estrutural.
A alternativa D está errada, apesar de mencionar o common law, que é o sistema jurídico dos EUA. O foco do processo estrutural não é beneficiar um “potencial litigante” individualmente, mas resolver problemas coletivos e reestruturar práticas institucionais que violam direitos fundamentais. O objetivo é muito mais amplo e social do que o descrito na alternativa.
A alternativa B está correta porque reflete com precisão a origem (doutrina dos EUA) e o pressuposto fundamental (insuficiência das políticas públicas ou privadas) do processo estrutural, como reconhecido pela doutrina brasileira contemporânea, incluindo Fredie Didier Jr., Hermes Zaneti e decisões do STF.