Movimentos renovatórios do acesso à justiça

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QUESTÃO CERTA: A partir de julgados recentes do Superior Tribunal de Justiça sobre legitimidade ativa e intervenção em ações coletivas, é correto afirmar: A Defensoria Pública deve ser intimada para intervir no feito quando envolver pessoas hipossuficientes no polo passivo, mesmo no processo iniciado sob a vigência do Código de Processo Civil anterior.

AS TRÊS ONDAS RENOVATÓRIAS DO ACESSO À JUSTIÇA

Mauro Cappelletti e Bryant Garth – na célebre obra “Acesso à justiça”, dividiram em três ondas os principais movimentos renovatórios do acesso à justiça.

Primeira onda – diz respeito à assistência judiciária aos pobres e está relacionada ao obstáculo econômico do acesso à justiça.

Segunda onda – refere-se à representação dos interesses difusos em juízo e visa contornar o obstáculo organizacional do acesso à justiça.

Terceira onda– denominada de “o enfoque do acesso à justiça”, detém a concepção mais ampla de acesso à justiça e tem como escopo instituir técnicas processuais adequadas e melhor preparar estudantes e aplicadores do direito.

BRASIL

No Brasil, a primeira onda renovatória do acesso à justiça ganhou consistência jurídica com a entrada em vigor da Lei 1.060, de 5 de fevereiro de 1950 e, mais de quarenta anos após, com a instituição da Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios, por meio da Lei Complementar 80, de 12 de janeiro de 1994.

Hoje, com a Constituição Federal de 1988, a assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos está inserida no catálogo dos direitos e garantias fundamentais, mais precisamente no inciso LXXIV do artigo 5.º.

A Defensoria Pública foi consagrada no artigo 134 da Constituição como “instituição essencial à função jurisdicional do Estado” e, por ser uma garantia institucional, não pode ser suprimida do ordenamento jurídico.

Ação Popular

No que diz respeito à ação popular – regulamentada pela Lei 4.717, de 29 de junho de 1965 –, entendida por muito tempo como o mais moderno instrumento processual para a tutela de alguns direitos metaindividuais, cumpre dizer que, depois de séria análise, a doutrina concluiu pela insuficiência desse mecanismo para a proteção dos interesses de massa.

Criticou-se, dentre outros aspectos da ação popular: a) a restrição da legitimidade ativa somente ao cidadão-eleitor, isto é, apenas à pessoa natural em pleno gozo dos seus direitos políticos – artigo 1.º e Súmula 365 do Supremo Tribunal Federal[24]; b) o fato de haver tão-somente dispensado o adiantamento das custas, sem desobrigar o autor sucumbente dos encargos processuais finais – artigo 10, não recepcionado pela Constituição Federal de 1988, conforme se depreende do seu artigo 5.º, inciso LXXIII, que isentou de custas e ônus de sucumbência o autor de boa-fé; c) o caráter exclusivamente repressivo da ação – artigo 1.º, cuja letra vai de encontro com o direito fundamental do acesso à justiça, constante do inciso XXXV do artigo 5.º da Constituição Federal de 1988; e d) o objeto de proteção, que não abrange todos os direitos transindividuais, apesar da considerável ampliação concedida pela atual Constituição, sendo, portanto, taxativo. Há de se ressaltar, ainda, o desvirtuamento do uso da ação popular para fins político-partidários e desmoralização, muitas vezes infundada, de agentes públicos.

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Ação Civil Publica

Os maiores avanços vieram com a entrada em vigor da Lei da Ação Civil Pública, em 1985, e do Código de Defesa do Consumidor, em 1990, que, conjuntamente, formaram o microssistema processual de tutela dos interesses de massa.

Legitimados

Tais legitimados atuarão em nome próprio, não havendo que se falar em procuração para tornar viável a defesa em juízo de direitos transindividuais, uma vez que se trata de regime específico e diferenciado de legitimação ativa. Esse tipo de legitimidade ativa faz com que seja dispensável a participação direta de todas as pessoas que poderão ser beneficiadas por eventual sentença de procedência, de forma que não precisem, em princípio, sofrer os dissabores rituais do processo.

Em relação a essa segunda onda renovatória do acesso à justiça, justificaram Mauro Cappelletti e Bryant Garth:

Uma vez que nem todos os titulares de um direito difuso podem comparecer em juízo – por exemplo, todos os interessados na manutenção da qualidade do ar, numa determinada região – é preciso que haja um “representante adequado” para agir em benefício da coletividade, mesmo que os membros dela não sejam citados individualmente. Da mesma forma, para ser efetiva, a decisão deve obrigar a todos os membros do grupo, ainda que nem todos tenham tido a oportunidade de ser ouvidos. Dessa maneira, outra noção tradicional, a da coisa julgada, precisa ser modificada, de modo a permitir a proteção judicial efetiva dos interesses difusos.

A terceira onda renovatória do acesso à justiça, por sua vez, é ampla e leva em consideração, dentre outros, o papel do magistrado na condução do processo, com o objetivo de incentivar a sua atuação ativa e direcionada a contornar os obstáculos burocráticos e formalísticos que impedem seja a sua prestação jurisdicional efetiva.

A terceira onda propugna que os magistrados abandonem o tradicional papel de mero expectador para serem criativos e inovadores na condução do processo. Nesse sentido, deve o magistrado, por meio da ação civil pública e das técnicas processuais colocadas à sua disposição, fazer valer o seu poder geral de efetivação, buscando os meios idôneos para prestar a tutela adequada, tempestiva e efetiva aos direitos transindividuais, de modo a observar atentamente o cumprimento dos dispositivos do Código de Processo Civil – contempt of court brasileiro.

IRDR, Assunção de Competência e Afetação de Julgamentos

Cabe asseverar que os novos instrumentos do NCPC fazem parte da chamada 3ª Onda Renovatória.