Tu quoque (quebra da confiança)

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Última Atualização 9 de janeiro de 2021

QUESTÃO CERTA: Um cliente de uma instituição bancária foi contatado, por mensagem via aplicativo de celular, pelo seu gerente, para que autorizasse a transferência de determinada quantia em dinheiro da conta-corrente para uma aplicação no mercado financeiro. Seis meses após ter permitido essa operação, o cliente constatou que não existia o investimento e não localizou o dinheiro disponibilizado. Solicitou, então, ao gerente que o valor fosse restituído à conta-corrente, mas ele recusou-se a fazê-lo. Nessa situação hipotética, poderá haver responsabilização pessoal do gerente, uma vez que este feriu a boa-fé objetiva pelo instituto: do tu quoque.

Tu quoque = Quebra da confiança

TU QUOQUE (até tu) se mostra presente em etal enunciado justamente por atentar à boa-fé objetiva no momento em que se beneficia do ato contraditório. Se o banco não passou a pecúnia para onde devia, logo deve restituir àquele que contratou, ou seja, o cliente.

Mas e se fosse VENIRE CONTRA FACTUM PRÓPRIUM?

Podemos encaixar um exemplo adaptado da questão: Se o banco, ao fazer acordo com o cliente de transferir o dinheiro que estava estático, para o mercado financeiro, mas na verdade transfere para uma poupança ou outra destinação não acordada, ocorre um comportamento contraditório, ainda mais se o banco se recusar restituir tal quantia ao cliente.

Grosso modo “to quoque” é uma traição após o estabelecimento de uma relação de confiança anterior.

Considerando a profunda semelhança entre os institutos do tu quoque e do venire contra

factum proprium, devemos diferenciá-los, especificamente por que:

a) no venire contra factum proprium se verificam dois comportamentos isoladamente regulares, mas que, considerados em conjunto, são contraditórios e acabam por violar a boa-fé da outra parte na relação jurídica, frustrando suas legítimas expectativas (é o caso citado do plano de saúde que contrat~ sem exames prévios e depois nega cobertura alegando preexistência de doença); já nol tu quoque, o agente pratica, desde já, uma primeira conduta indevida que, teoricamente, é incompatível com uma conduta posterior que ele mesmo acaba por adotar, em contraposição ao comportamento da outra parte na relação (como no caso do cônjuge reiteradamente adúltero que se volta contra ato semelhante do outro);

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b) no veuire contra factum proprium não é necessário pesquisar, para sua configuração, o comportamento da outra parte (mas apenas a frustração de suas legítimas expectativas), já que se trata de incompatibilidade entre atos próprios do mesmo agente; no tu quoque, por sua vez, como lembram FARIAS e ROSENVALD, “há uma injustiça da valoração que o indivíduo confere ao seu ato e, posteriormente, ao ato alheio” (2009, p. 490), ou seja, a configuração do abuso dependerá da invocação do ato anterior com o fim de frustrar o direito do outro agente na relação jurídica, censurando, indevidamente, o comportamento da parte inocente.