Última Atualização 21 de maio de 2023
A Lei 14.133/21 disciplinou a inexigibilidade em seu art. 74.
O art. 74, III da nova lei apresenta uma relação de “serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual” que podem ser contratados sem a realização de licitação. Exceto pela inclusão de serviços de controle de qualidade e de análises, a relação do art. 74, III da Lei 14.133/21 não é diversa da que consta do art. 13 da Lei federal 8.666/93, a antiga lei geral de licitação.
O mesmo art. 74, III da Lei 14.133/21 prevê que referida hipótese de contratação direta só pode ser feita com “profissionais ou empresas de notória especialização” mantendo a exigência já constante da lei federal n. 8.666/93. Por fim, o § 3º do art. 74 indica quais são os predicados desta “notória especialização”.
Aqui, percebemos diferenças entre os requisitos citados pelo § 1º do art. 25 da Lei 8.666/93 e os exigidos pelo § 3º do art. 74 da nova lei. A Lei 14.133/21 utiliza a expressão “[trabalho] essencial e reconhecidamente adequado à plena satisfação do objeto do contrato”, no lugar de “[trabalho] indiscutivelmente mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato”.
Podemos inferir que a a inexigibilidade de licitação para serviços técnicos especializados requer a presença de três requisitos na Lei 14.133/21, : (1) a inviabilidade de competição fática ou jurídica (art. 74, caput); (2) a comprovação da “notória especialização” por parte do contratado (art. 74, III e § 3º); e (3) a “natureza predominantemente intelectual” do serviço (art. 74, III) o que é um requisito com eivas de subjetividade, afinal o que é ”preponderância da intelectualidade nos serviços contratados?”
Por fim, comparando as duas leis citadas temos que diversamente da Lei 8.666/93, a singularidade do objeto não é expressamente mencionada na nova lei 14.133/2021, o que entendemos como um avanço da nova lei pois a compreensão do significado do léxico ‘singularidade’ atrapalhava mais que ajudava na sistemática da Lei 8.666/93.
A nova lei geral, desta forma, não faz alusão de nenhuma ordem ao caráter “singular” do serviço a ser contratado mediante inexigibilidade de licitação.
Apesar de tudo a nova lei diz de forma clara o que espera da natureza ou das características dos serviços a serem contratados de forma direta.
A predominância do componente intelectual é requisito residual. Ou seja, se houver inviabilidade de competição fática ou jurídica e a comprovação da “notória especialização” por parte do contratado teremos quase com certeza a possibilidade de contratação direta ante a relativa fluidez e subjetividade da expressão ”natureza intelectual preponderante”, afinal quase todos os serviços detém de uma forma ou de outra algum componente intelectual na sua especificação ou descrição.
Mas, já temos um avanço com relação a Lei 8.666/93 visto que o caráter singular do serviço, é conceito subjetivo e indeterminado e de difícil demonstração no plano concreto. Ao trocar a singularidade pelo componente intelectual da atividade a nova lei aponta para uma característica do objeto mais facilmente demonstrável embora ainda seja um conceito com nuances de subjetividade, pelos motivos retro expostos.
Ao deixar de aludir expressamente à singularidade do serviço, substituindo-a pelo componente eminentemente intelectual necessário para a sua correta realização, a nova lei conferiu relevo ainda maior ao requisito subjetivo da “notória especialização” do contratado. Afinal, só faz sentido exigir notória especialização daquele que realiza um trabalho técnico quando houver relação umbilical entre o serviço contratado e o seu executor, o que implica muitas vezes em exercício intelectual que só pode ser por ele desempenhado.
Cabe notar que parte significativa dos atributos da notória especialização, previstos tanto na Lei 8.666/93 quanto na Lei 14.133/21, esteja diretamente relacionada com o aspecto intelectual necessário à realização dos serviços, como “estudos”, “publicações”, “organização” e “equipe técnica” (art. 25, § 1º da Lei 8.666 e art. 74, § 3º da nova lei). Igualmente, o rol exemplificativo de serviços técnicos passíveis de serem contratados por inexigibilidade, tanto na Lei 8.666/93 quanto na nova lei, são, a princípio, todos de natureza predominantemente intelectual.
Aparentemente, a nova lei não aceita contratações por inexigibilidade para a execução de serviços comuns ou ordinários, ainda que realizados por notório especialista. A contratação direta por inexigibilidade, segundo o novo texto, presta-se a serviços tão intelectualmente sofisticados que só podem ser adequadamente executados por prestadores com altíssima qualificação.
Em julgamento ainda recente, exarado antes mesmo da publicação da nova lei, o Supremo Tribunal Federal (STF) descreveu como singular o serviço que “escape à rotina do órgão ou entidade contratante”, cuja atividade “envolva complexidades que tornem necessária a peculiar expertise”. Desta forma, o STF excluiu do conceito o serviço tido como “trivial ou rotineiro” (BRASIL. STF. ADC 45/DF, 4003252-92.2016.1.00.0000, Plenário virtual, Rel. Min. Luís Roberto Barroso. Sessão de 23/10/2020).
Ao que parece, portanto, apesar da supressão da menção à “natureza singular” no texto da lei 14.133/2021, não haveria mudança significativa na sistemática das contratações de serviços técnicos especializados feitas com inexigibilidade de licitação. É difícil, se não impossível, encontrar um serviço comum, ordinário, para cuja fiel execução se demandasse o emprego precípuo do componente intelectual a ponto, inclusive, de justificar a presença de um notório especialista.
Novamente, a construção de respostas possivelmente emergirá do importante papel dos órgãos de controle, como os Tribunais de Contas, da boa doutrina e dos julgados pretorianos.
Até lá, cumpre ao gestor público observar um ”’exercício exegético finalístico” lastreado pela meticulosa cautela que já era demandada sob o regime anterior.
FGV (2022):
QUESTÃO CERTA: Em junho de 2022, o Senado Federal iniciou processo administrativo tendente a verificar a possibilidade de contratação do serviço técnico especializado de natureza predominantemente intelectual com empresa de notória especialização na área de auditoria financeira. Após estudos sobre a economicidade da contratação, concluiu-se que o valor estimado do contrato administrativo a ser firmado é de seiscentos mil reais. Auxiliando na instrução do mencionado processo administrativo, Fernanda, servidora pública ocupante do cargo de Analista Legislativo do Senado Federal, constatou que, conforme disposto na Lei nº 14.133/2021, a contratação pretendida: pode ser feita sem prévia licitação, mediante inexigibilidade de licitação, observadas as formalidades legais.
Lei 14.133 de 2021:
Art. 74. É inexigível a licitação quando inviável a competição, em especial nos casos de:
(…)
III – contratação dos seguintes serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação:
a) estudos técnicos, planejamentos, projetos básicos ou projetos executivos;
b) pareceres, perícias e avaliações em geral;
c) assessorias ou consultorias técnicas e auditorias financeiras ou tributárias;
d) fiscalização, supervisão ou gerenciamento de obras ou serviços;
e) patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas;
f) treinamento e aperfeiçoamento de pessoal; g) restauração de obras de arte e de bens de valor histórico;
h) controles de qualidade e tecnológico, análises, testes e ensaios de campo e laboratoriais, instrumentação e monitoramento de parâmetros específicos de obras e do meio ambiente e demais serviços de engenharia que se enquadrem no disposto neste inciso;
É importante pontuar que não importa o valor da licitação para esse tipo de serviço de notória especialização; caberá a inexigibilidade. De todo modo, frisa-se que A nova lei de licitação impôs que para valores acima de 300 mil reais, o órgão que licita deverá adotar dois dos critérios abaixo citados (porém isso não vale para inexigibilidade – apenas quando há a real necessidade de se licitar).
Lei 14.133:
(…)
2º Ressalvados os casos de inexigibilidade de licitação, na licitação para contratação dos serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual previstos nas alíneas “a”, “d” e “h” do inciso XVIII do caput do art. 6º desta Lei cujo valor estimado da contratação seja superior a R$ 300.000,00 (trezentos mil reais), o julgamento será por:
I – melhor técnica; ou
II – técnica e preço, na proporção de 70% (setenta por cento) de valoração da proposta técnica.
FGV (2022):
QUESTÃO CERTA: No ano de 2022, a União, por meio do Ministério do Meio Ambiente, pretende celebrar contrato administrativo, cujo objeto é a prestação de serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual de controles de qualidade e tecnológico, análises, testes e ensaios de campo e laboratoriais, instrumentação e monitoramento de parâmetros específicos de obras e do meio ambiente, com determinada sociedade empresária de notória especialização, conforme especificações constantes no processo administrativo. De acordo com a nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021), a contratação em tela ocorrerá mediante: inexigibilidade de licitação, por expressa previsão e com as cautelas legais.
FUNDEP (2023):
QUESTÃO CERTA: Sobre a lei de licitações e contratos administrativos, Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, analise as afirmativas a seguir. Treinamento e aperfeiçoamento de pessoal estão incluídos na categoria de serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual.