Última Atualização 23 de fevereiro de 2025
Imagine que você tem um amigo chamado João, que te deve um dinheiro. Você decide cobrar essa dívida na Justiça, e o processo começa a correr. Até aí, tudo certo! Só que, com o tempo, você para de tomar qualquer atitude no processo: não move um dedo, não pede para o juiz fazer nada, não tenta cobrar a dívida ativamente. Você simplesmente deixa a coisa parada, esquecida no tempo.
Agora, imagine que o tempo é como um grande monstro faminto chamado Prescrição. Esse monstro adora devorar direitos que ficam esquecidos. No Direito Civil brasileiro, a prescrição acontece quando alguém demora demais para exigir um direito, e o monstro o engole de vez. Mas aqui estamos falando da prescrição intercorrente, que é um tipo diferente: ela acontece dentro de um processo já em andamento.
Em outras palavras, você iniciou o processo para cobrar o João, mas depois sumiu. O monstro da prescrição intercorrente começa a farejar a sua inércia e, se você demorar demais, ele pode devorar o seu direito de continuar cobrando a dívida, mesmo que o processo já tenha sido iniciado!
Agora vem a pergunta: por que o Direito Civil brasileiro, em regra, não aceita essa ideia?
Porque, tradicionalmente, o Direito Civil vê a prescrição como algo que acontece antes do processo começar. Ou seja, se você foi rápido o bastante para ajuizar a ação, seu direito de cobrança foi exercido a tempo. Depois disso, o andamento do processo não deveria ser prejudicado por sua falta de ação.
Além disso, no Direito Civil, o juiz tem um papel mais ativo no processo, podendo impulsionar os atos mesmo sem a iniciativa do credor. Isso é bem diferente do Direito Tributário ou do Direito Processual do Trabalho, onde a prescrição intercorrente é mais aceita porque ali se entende que é obrigação do credor (como o fisco ou o trabalhador) manter o processo vivo.
Ou seja, no Direito Civil, acredita-se que, uma vez que o credor entrou com a ação, a Justiça deve ajudar a conduzi-la, e não simplesmente permitir que o monstro da prescrição intercorrente devore o direito só porque o credor ficou parado por um tempo.
“Segundo o professor Cristiano Chaves, o direito civil brasileiro, diferentemente do direito penal, não admite prescrição intercorrente, em regra. Na esfera criminal, o titular da pretensão é o mesmo quem demorou para julgá-la, o Estado (em sentido lato). No direito civil, por outro lado, não se pode admitir que o Estado demore para julgar e o particular pague a conta. Excepcionalmente, em duas hipóteses, haverá prescrição intercorrente: (i) execução fiscal, pois o titular da pretensão é o Estado; (ii) quando o autor abandona o processo por tempo suficiente para que se tivesse operado a prescrição, é o que entende o STJ, nos termos do REsp 474.771.”
FUNCAB (2013):
QUESTÃO CERTA: A prescrição intercorrente foi admitida pelo Código Civil vigente, sendo verificada pela inércia continuada e ininterrupta do autor do processo já iniciado, durante um tempo suficiente para a ocorrência da própria perda da pretensão.
A questão é de 2013, mas a prescrição intercorrente só passou a ser expressamente prevista em 2021: “Art. 206-A. A prescrição intercorrente observará o mesmo prazo de prescrição da pretensão.”
CEBRASPE (2015):
QUESTÃO ERRADA: No sistema do Código Civil, uma vez interrompida a prescrição, o prazo voltará a fluir por inteiro, de forma que fica afastada a possibilidade de prescrição intercorrente.
Primeira parte: No sistema do Código Civil, uma vez interrompida a prescrição, o prazo voltará a fluir por inteiro (Certo. Prazo interrompido volta a correr por inteiro. Prazo suspenso volta a correr pelo tempo restante)
Art. 202. A interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma vez, dar-se-á:
Parágrafo único. A prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou do último ato do processo para a interromper.
Segunda parte: (…)de forma que fica afastada a possibilidade de prescrição intercorrente. (Errado. Há a possibilidade de prescrição intercorrente no processo civil. Vejamos:
No entanto, mesmo inexistindo qualquer fundamento legal específico, passou a prevalecer de um modo geral na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça entendimento no sentido de que o reconhecimento da prescrição intercorrente, a exemplo do que se verifica em sede de abandono do processo, fica condicionado ao desleixo do exequente mesmo após a sua intimação pessoal. Realmente, a 4ª Turma, no julgamento do Agravo Regimental no Recurso Especial 1.245.412-MT, de relatoria do ministro Luis Felipe Salomão, decidiu, com arrimo em anterior acórdão, que: “… De acordo com precedentes do Superior Tribunal de Justiça, a prescrição intercorrente só poderá ser reconhecida no processo executivo se, após a intimação pessoal da parte exequente para dar andamento ao feito, a mesma permanece inerte (AgRg. no AREsp. 131.359-GO, relator ministro Marco Buzzi, 4ª Turma, julgado em 20 de novembro de 2014, DJe 26 de novembro de 2014).
Se admite a prescrição intercorrente no procedimento da ação rescisória (Súmula 264 do STF), assim como na execução de título judicial, quando o credor deixa de praticar ato necessário caracterizando prescrição intercorrente da pretensão executiva.- STF Súmula 264 – VERIFICA-SE A PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE PELA PARALISAÇÃO DA AÇÃO RESCISÓRIA POR MAIS DE CINCO ANOS.