CEBRASPE (2023):
QUESTÃO CERTA: De acordo como Código Civil, o Estatuto da Pessoa com Deficiência e o entendimento do STJ, cessada sua menoridade, a pessoa com deficiência: ficará habilitada para a prática de todos os atos da vida civil, pois a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa.
Art. 6º, L. 13.146/2015. A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para: (…)
(…) “a Lei n. 13.146/2015, que instituiu o Estatuto da Pessoa com Deficiência, tem por objetivo assegurar e promover a inclusão social das pessoas com deficiência física ou psíquica e garantir o exercício de sua capacidade em igualdade de condições com as demais pessoas. A partir da entrada em vigor da referida lei, a incapacidade absoluta para exercer pessoalmente os atos da vida civil se restringe aos menores de 16 (dezesseis) anos, ou seja, o critério passou a ser apenas etário, tendo sido eliminadas as hipóteses de deficiência mental ou intelectual anteriormente previstas no Código Civil” (STJ, REsp 1.927.423/SP, 3.ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 27.04.2021, DJe 04.05.2021).
(…) Nesse contexto, todas as pessoas com deficiência que eram tratadas no art. 3.º anterior passam a ser, em regra, plenamente capazes para o Direito Civil. Eventualmente, podem ser tidas como relativamente incapazes, em algum enquadramento do art. 4.º do Código Civil, também ora alterado. (…) (…) O art. 84 do Estatuto da Pessoa com Deficiência, também em prol da inclusão com dignidade-liberdade, estabelece que a pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas. Eventualmente, quando necessário, a pessoa com deficiência será submetida à curatela, conforme a lei. Ademais, o mesmo comando prescreve que é facultada à pessoa com deficiência a adoção de processo de tomada de decisão apoiada, como se verá ainda nesta obra. A definição de curatela de pessoa com deficiência constitui medida protetiva extraordinária, proporcional às necessidades e às circunstâncias de cada caso, e durará o menor tempo possível. (…)
A curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial, conforme o art. 85 do Estatuto da Pessoa com Deficiência. A definição da curatela não alcança o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto, o que também é retirado do art. 6.º da mesma norma, ora citada. Em outras palavras, podem existir limitações para os atos patrimoniais, e não para os existenciais, que visam a promoção da pessoa humana. Além disso, está previsto no mesmo comando que a curatela constitui medida extraordinária, devendo constar da sentença as razões e motivações de sua definição, preservados os interesses do curatelado. (…) (Tartuce, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único. 12. ed. – Rio de Janeiro, Forense; METODO, 2022. fls. 203/205).
(…) o maior problema do Estatuto não se situa em defeitos pontuais, relativos a essa ou àquela inovação que, conquanto motivada para a proteção da pessoa com deficiência, possa ter sido mal desenhada ou pouco refletida. Seu problema mais grave, permita-se a crítica de fundo, foi que, ao procurar executar a passagem do sujeito à pessoa, acabou cedendo ao peso excessivo da concretização, a ponto de operar uma reforma limitada à situação da pessoa com deficiência, introduzida sem uma preocupação sistemática e abrangente. O efeito disso é uma reforma tão restrita no regime de incapacidades que gera um resultado fraturado, em que os conceitos tradicionais do direito civil foram excepcionados de modo casuístico, sem uma efetiva e necessária reformulação. O excesso de preocupação com a terminologia – há passagens do Estatuto que parecem inspiradas unicamente no intuito de evitar expressões como “deficiente”, “interdição” etc. – talvez tenha tirado o foco de questões centrais, de maior relevância, que não poderiam ter deixado de ser enfrentadas por uma reforma real e efetiva, como os critérios e o modo de avaliação do discernimento da pessoa para fins de curatela e a própria modulação dos efeitos da curatela, que se apresenta no texto do Estatuto como diretriz, mas sem parâmetros úteis àqueles que têm, diariamente, a tarefa de julgar pleitos de interdição.
Ao agir dessa forma, em vez de valorizar o dado concreto da realidade, o Estatuto acabou por criar outro sistema abstrato e formal, no qual agora a pessoa com deficiência é “sempre capaz”, ingressando, mais uma vez, no revelho modelo do tudo ou nada. Como se vê, além das falhas específicas – as quais poderão ser atenuadas em larga medida pela atuação diligente do intérprete –, a grande vicissitude do Estatuto é ter perdido a oportunidade de proceder a uma reforma do regime de incapacidades de modo a efetivamente funcionalizá-lo para o atendimento do livre desenvolvimento da personalidade humana. (…) (Schreiber, Anderson. Manual de direito civil: contemporâneo. 5. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2022. fl. 113)