A jurisprudência do STJ reconhece a validade e eficácia da alienação fiduciária de bem de família, baseando-se no entendimento de que estando o imóvel livre e desembaraçado e sendo o proprietário dotado de capacidade civil, pode dar seu único imóvel, residencial, em garantia. O entendimento da jurisprudência, nestes casos, vai no sentido de restringir comportamentos contraditórios e, eventualmente oportunistas, como o do devedor fiduciante que constitui essa garantia e posteriormente invoca a proteção do bem de família quando se torna inadimplente.
A título de ilustração o Recurso Especial n° 1560562 de Santa Catarina julgado em 02 de abril de 2019 pela Ministra Relatora Nancy Andrighi salientou que a Lei n° 8.009/90, que dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família, estabelece que o imóvel assim caracterizado não responderá por qualquer tipo de dívida. Aduziu a Ministra Relatora que em nenhuma passagem da lei se estabeleceu que o bem não poderia ser alienado pelo seu proprietário. Acrescentou que a vontade do proprietário é soberana ao colocar o próprio bem de família como garantia, de modo que não se pode concluir que o bem de família legal seja inalienável.
FGV (2023):
QUESTÃO CERTA: A sociedade limitada X contrata empréstimo bancário com o Banco Y. Maria, sócia da sociedade limitada X, voluntariamente concede em garantia ao empréstimo contratado o imóvel único no qual mantém moradia com sua família, por meio de constituição de alienação fiduciária, Inadimplente a sociedade imitada X, o Banco Y, credor fiduciário, executa a garantia que recai sobre o imóvel, consolidando a propriedade resolúvel em seu favor. A respeito do caso, é correto afirmar que: o inadimplemento do contrato de empréstimo bancário pela sociedade limitada X consolida a propriedade imóvel em nome do Banco Y, independentemente da natureza do bem dado em garantia por meio da alienação fiduciária.
RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC/1973. NÃO OCORRÊNCIA. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. CONVENIÊNCIA E OPORTUNIDADE. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. TRANSMISSÃO CONDICIONAL DA PROPRIEDADE. BEM DE FAMÍLIA DADO EM GARANTIA. VALIDADE DA GARANTIA. VEDAÇÃO AO COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO.
1. Não há falar em omissão ou contradição do acórdão recorrido se as questões pertinentes ao litígio foram solucionadas, ainda que sob entendimento diverso do perfilhado pela parte.
2. O incidente de uniformização de jurisprudência não se confunde com a irresignação recursal, ostentando caráter preventivo. Daí por que o seu processamento depende da análise de conveniência e oportunidade do relator e deve ser requerido antes do julgamento do apelo nobre.
3. A jurisprudência desta Corte reconhece que a proteção legal conferida ao bem de família pela Lei n. 8.009/90 não pode ser afastada por renúncia do devedor ao privilégio, pois é princípio de ordem pública, prevalente sobre a vontade manifestada.
4. A regra de impenhorabilidade aplica-se às situações de uso regular do direito. O abuso do direito de propriedade, a fraude e a má-fé do proprietário devem ser reprimidos, tornando ineficaz a norma protetiva, que não pode tolerar e premiar a atuação do agente em desconformidade com o ordenamento jurídico.
5. A propriedade fiduciária consiste na transmissão condicional daquele direito, convencionada entre o alienante (fiduciante), que transmite a propriedade, e o adquirente (fiduciário), que dará ao bem a destinação específica, quando implementada na condição ou para o fim de determinado termo.
6. Vencida e não paga, no todo em parte, a dívida e constituído em mora o fiduciante, consolidar-se-á a propriedade do imóvel em nome do fiduciário, consequência ulterior, prevista, inclusive, na legislação de regência.
7. Sendo a alienante pessoa dotada de capacidade civil, que livremente optou por dar seu único imóvel, residencial, em garantia a um contrato de mútuo favorecedor de pessoa diversa, empresa jurídica da qual é única sócia, não se admite a proteção irrestrita do bem de família se esse amparo significar o alijamento da garantia após o inadimplemento do débito, contrariando a ética e a boa-fé, indispensáveis em todas as relações negociais.
8. Recurso especial não provido.
(REsp n. 1.559.348/DF, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 18/6/2019, DJe de 5/8/2019.)