STJ: Alteração de Entendimento Fiscal Só Vale para Fatos Geradores Futuros

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Última Atualização 31 de maio de 2025

Imagine que, durante muito tempo, o governo (por meio do fisco) entendeu que determinado imposto não precisava ser cobrado em uma situação específica. De repente, ele muda de ideia e passa a dizer que, sim, o imposto é devido. A dúvida que surge é: essa cobrança nova vale também para o passado? A resposta é não.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que, quando a administração tributária muda sua interpretação sobre a cobrança de um imposto, essa nova forma de agir só pode valer daquele momento em diante. Ou seja, o contribuinte não pode ser cobrado por valores passados com base em uma mudança que só aconteceu depois.

No caso analisado, uma cooperativa de energia questionava a cobrança de ICMS (um imposto estadual) sobre uma verba chamada Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). Durante anos, o governo não cobrava esse imposto sobre essa parcela da conta de luz. Quando mudou de posição e passou a exigir o pagamento, a empresa foi notificada, e a cobrança começou.

O STJ entendeu que essa mudança de postura, por ser uma prática reiterada e aceita por muito tempo, funciona como uma “regra complementar” — ou seja, cria uma expectativa legítima para o contribuinte. Por isso, o novo entendimento não pode ser aplicado de forma retroativa. Vale apenas para fatos que acontecerem depois da mudança.

A decisão reafirma um princípio básico do direito tributário: a segurança jurídica e a confiança legítima do contribuinte não podem ser quebradas por mudanças repentinas de interpretação. E, acima de tudo, reforça o que diz a lei: normas tributárias só podem valer para o futuro — nunca para penalizar alguém por algo que, à época, era considerado correto.

FGV (2025):

QUESTÃO ERRADA: A sociedade empresária ABC adquiriu, em 2019, 2020 e 2021, diversos produtos importados pela sociedade empresária DEF, com quem firmara contrato de importação por conta e ordem daquela. Nos períodos mencionados, as importações foram realizadas mediante indicação da classificação “X”, tendo os procedimentos sido regularmente homologados pelo Fisco. Entretanto, na data de 15/12/2022, as mercadorias adquiridas pela sociedade empresária ABC foram classificadas pela autoridade fiscal sob o código “Y”, embora se tratasse dos mesmos tipos de produtos importados nos anos anteriores com indicação classificatória diversa. O Fisco, então, lavrou Auto de Infração em face das sociedades empresárias ABC e DEF, em virtude da incorreta classificação das mercadorias relativas às Declarações de Importação concernentes aos períodos de 2019, 2020 e 2021, cobrando as diferenças do Imposto sobre a Importação (II) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) incidentes sobre as aludidas operações, acrescidas de juros e multa. Segundo o disposto no Código Tributário Nacional e no Decreto- Lei nº 37/1966, assim como em conformidade com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema, o referido lançamento suplementar deverá ser considerado: insubsistente apenas em relação aos acréscimos legais, pois a observância das normas complementares, a exemplo das práticas reiteradamente adotadas pelas autoridades administrativas até a data da revisão do lançamento, exclui a imposição de juros e multa, não havendo, contudo, dispensa legal do pagamento dos tributos devidos.

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A questão está incorreta porque parte da premissa de que, em caso de mudança de critério jurídico por parte da autoridade fiscal, o tributo principal (no caso, II e IPI) ainda seria exigível, e apenas os acréscimos legais (juros e multa) deveriam ser afastados. Essa conclusão, no entanto, contraria o artigo 146 do Código Tributário Nacional (CTN), que determina que a modificação nos critérios jurídicos adotados pela administração tributária só pode produzir efeitos em relação a fatos geradores ocorridos após a sua introdução.

No caso descrito, o Fisco mudou a classificação fiscal das mercadorias — ou seja, alterou a interpretação jurídica antes utilizada — e, com base nessa nova interpretação, lavrou auto de infração para cobrar tributos referentes a fatos geradores ocorridos em 2019, 2020 e 2021. Trata-se, portanto, de mudança de critério jurídico, o que significa que a nova orientação não pode ser aplicada retroativamente. A cobrança de tributos baseada exclusivamente nessa mudança não é válida.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reforça essa posição. Decisões como a proferida no Recurso Especial 1.688.160 reconhecem que a mudança de entendimento administrativo quanto à incidência de tributos — quando consubstanciada em prática reiterada da autoridade fiscal — possui natureza de norma complementar, e sua alteração somente pode produzir efeitos prospectivos, conforme o princípio da proteção à confiança e da irretroatividade das normas tributárias.

Assim, não apenas os acréscimos legais devem ser afastados. Toda a cobrança baseada em nova interpretação — inclusive o valor principal — é inválida quando aplicada a fatos geradores anteriores à mudança do critério jurídico. Portanto, a resposta correta deveria reconhecer a total insubsistência do lançamento.