Última Atualização 25 de abril de 2025
A relação entre o Direito Internacional e o Direito Interno é tradicionalmente analisada sob três grandes correntes doutrinárias: dualismo, monismo e a primazia da norma mais favorável ao indivíduo.
1. Corrente Dualista
A teoria dualista, cujos principais expoentes são Carl Heinrich Triepel e Dionisio Anzilotti, sustenta que o Direito Internacional e o Direito Interno são ordenamentos jurídicos completamente distintos e independentes entre si. Para essa corrente, não há possibilidade de conflito direto entre normas internacionais e internas, pois cada uma atua em esferas distintas: o Direito Internacional regula as relações entre Estados, enquanto o Direito Interno trata da convivência entre indivíduos. A validade jurídica de uma norma, nesse sentido, não depende da harmonia com outra ordem jurídica. No dualismo, um tratado só tem efeitos internos após sua incorporação formal ao ordenamento jurídico nacional, geralmente por meio de decreto presidencial, conforme exige a Constituição brasileira.
2. Corrente Monista
A corrente monista parte do pressuposto de que há apenas um sistema jurídico, no qual o Direito Internacional e o Direito Interno estão interligados. Essa corrente se divide em dois ramos principais:
- Monismo internacionalista (ou radical): Representado principalmente por Hans Kelsen e pela Escola de Viena, essa vertente defende a primazia do Direito Internacional sobre o Direito Interno. Segundo essa visão, um Estado não pode invocar disposições de seu direito interno para justificar o descumprimento de obrigações internacionais, conforme previsto no art. 27 da Convenção de Viena (incorporada ao ordenamento brasileiro pelo Decreto 7.030/2009).
- Monismo nacionalista: Nesta vertente, é o Direito Interno que prevalece sobre o Direito Internacional. O Estado é soberano e o Direito Internacional é entendido como uma extensão da vontade estatal. As normas internacionais só produzem efeitos após adequação ao ordenamento interno.
3. Corrente da Primazia da Norma Mais Favorável
Essa teoria, surgida no âmbito do Direito Internacional dos Direitos Humanos, relativiza a dicotomia entre dualismo e monismo. Ela propõe que, em caso de conflito, deve prevalecer a norma que mais promove a dignidade da pessoa humana, seja ela de origem interna ou internacional.
A Situação no Brasil
No Brasil, há controvérsia doutrinária quanto à corrente efetivamente adotada. Francisco Rezek defende que predomina o monismo nacionalista, uma vez que as normas internacionais apenas produzem efeitos no plano interno após o devido processo de incorporação, e desde que compatíveis com a Constituição Federal de 1988. Exemplo disso é que tratados internacionais não recepcionados por incompatibilidade com a Constituição não produzem efeitos no ordenamento jurídico brasileiro.
Entretanto, segundo o Supremo Tribunal Federal (STF), especialmente no julgamento da ADI 1480, o Brasil adota uma posição de dualismo moderado, uma vez que a incorporação de tratados exige ato formal de transformação (decreto presidencial), característica do dualismo. Paulo Henrique Gonçalves Portela corrobora essa leitura em sua obra “Direito Internacional Público e Privado”, ressaltando que a prática brasileira mistura elementos tanto do dualismo quanto do monismo nacionalista.
Segundo entendimento firmado pelo STF desde o julgamento do RE 80.004-SE, o Brasil adota um modelo de monismo moderado, no qual o tratado internacional, após sua incorporação, tem status de lei ordinária. Assim, em eventual conflito entre norma internacional incorporada e norma interna, prevalece a norma posterior, de acordo com o princípio lex posterior derogat legi priori
Portanto, embora a doutrina ainda debata sobre qual corrente melhor define a posição brasileira, a jurisprudência do STF aponta para um modelo híbrido, que confere paridade formal entre tratados internacionais e leis ordinárias internas, respeitada a Constituição como norma suprema. Ademais, especialmente no campo dos direitos humanos, ganha força a tese da primazia da norma mais favorável, em consonância com os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil.
CEBRASPE (2012):
QUESTÃO ERRADA: De acordo com o dualismo, as normas de direito internacional e de direito interno existem separadamente e não afetam umas às outras. No Brasil, a teoria adotada é o monismo, de acordo com a qual há unidade do ordenamento jurídico, ora prevalecendo as normas de direito internacional sobre as de direito interno, ora prevalecendo estas sobre aquelas.
“ATENÇÃO: fica evidente, portanto, que a prática brasileira em relação aos conflitos entre as normas internacionais e internas herdará aspectos do dualismo e do monismo e, como veremos posteriormente, incorporará soluções próprias, que não permitirão, em nosso ponto de vista, definir qual a teoria o Brasil adota, sendo mais pertinente afirmar que o Estado brasileiro recorre a elementos de ambas as teorias.” PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado, incluindo noções de direitos humanos e de direito comunitário. 7ª ed. rev. ampl. e atual. Salvador: Editora Jus Podivm, 2015. p.54.
Dualismo mitigado e dualismo moderado são usados como sinônimos na doutrina e na jurisprudência brasileira para se referir à mesma ideia: a de que o Brasil adota um modelo intermediário entre o dualismo clássico e o monismo.
O que isso significa na prática?
O Brasil não adota plenamente o dualismo clássico, pois há certa integração entre o direito internacional e o direito interno. Porém, também não adota o monismo, já que é exigido um ato formal de incorporação (como o decreto presidencial) para que tratados internacionais tenham eficácia interna. Assim, o tratado só passa a valer internamente após esse processo, típico do dualismo.
STF e a expressão “dualismo moderado”
O Supremo Tribunal Federal já utilizou expressamente o termo “dualismo moderado” (ou mitigado) em suas decisões, como na ADI 1480-MC, para descrever o modelo adotado no Brasil.
Doutrina
Autores como Paulo Henrique Gonçalves Portela e Francisco Rezek discutem nuances desse modelo. Portela defende que o Brasil adota uma posição intermediária, absorvendo elementos do dualismo (pela necessidade de incorporação) e do monismo (pela aplicação dos tratados no plano interno após essa incorporação).