Lógica lógico-dedutiva e lógica do razoável: duas visões sobre a função jurisdicional

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Última Atualização 22 de abril de 2025

A concepção lógico-dedutiva da função jurisdicional parte da ideia de que o juiz deve apenas aplicar a lei ao caso concreto por meio da mera adequação de premissas. Nesse modelo, a sentença é vista como um ato mecânico, destituído de qualquer valoração, sendo fruto de um exercício lógico-silogístico. O papel do juiz, nesse contexto, limita-se a ditar a vontade da lei. Exemplo clássico: se a pena para furto é prisão (premissa maior), e Caio furtou (premissa menor), então Caio deve ser preso (conclusão). Trata-se de uma estrutura rígida e formal, pensada como forma de controle contra arbitrariedades judiciais.

No entanto, exigir uma conclusão exata a partir de premissas abstratas e bem definidas mostra-se, muitas vezes, incompatível com a produção de decisões justas em casos complexos. A chamada “matemática interpretativa” revela-se socialmente inadequada para a diversidade e pluralidade que marcam os ordenamentos jurídicos contemporâneos.

É nesse cenário que se insere a lógica do razoável, especialmente desenvolvida no século XX por Luís Recasens Siches. Essa abordagem não rejeita o direito posto, mas propõe uma leitura que incorpora elementos sociais, históricos, culturais e valorativos, com o objetivo de alcançar a justiça no caso concreto. A lógica do razoável opera com inferências possíveis, e não com conclusões inexoráveis. No exemplo do furto, embora o ordenamento preveja a punição, caberia ao intérprete considerar as condições materiais do réu, o contexto social do ato, sua gravidade real, e a proporcionalidade da sanção.

Dessa forma, supera-se o formalismo da inferência correta aristotélica, sem cair no subjetivismo puro do Movimento do Direito Livre. O equilíbrio proposto pela lógica do razoável permite decisões mais humanas, sem abrir mão da segurança jurídica. A função do juiz deixa de ser a de um aplicador cego da norma e passa a ser a de um intérprete comprometido com a concretização da justiça.

FGV (2025):

QUESTÃO CERTA: Em determinada relação processual, uma das partes sustentou que o magistrado, ao individualizar a norma de conduta a ser aplicada na solução do litígio, deveria levar em consideração os parâmetros argumentativos obtidos a partir dos alicerces teóricos da lógica do razoável. Caso encampe a tese apresentada pela referida parte, o magistrado deve:

A) prestigiar a previsibilidade da norma, não buscando adequá-la ao problema;

B) reconhecer que a norma tem uma validade intrínseca, como as proposições matemáticas;

C) identificar o ponto de vista central que justifica os fins da norma, afastando os demais;

D) identificar a solução mais adequada, ainda que os meios empregados sejam ilegítimos;

E) distanciar-se de concepções que se desenvolvem a partir da estrutura lógica da inferência correta.

Solução:

Para a Escola da Exegese, precursora da hermenêutica jurídica, o papel do juiz se resumia a ditar a vontade da lei. Para tanto, estes deveriam resolver os casos a partir da lógica silogística.

A título de ilustração: a pena para furto é prisão (premissa maior) → Caio furtou (premissa menor) → Caio deve ser preso (conclusão).

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Afasta-se, portanto, de juízo de valores em nome da máxima objetividade.

Conforme Filippe Augusto Santos Nascimento (2022, p. 438):

  • É nesse contexto de limitação da interpretação jurídica que, já no início do século XX, Luís Recasens Siches desenvolveu sua teoria da Lógica do Razoável, apresentando-a como contra-ponto à lógica estanque da subsunção. Para Siches, não deveria o intérprete focar sua atenção apenas à norma, mas avaliar o que ele chamou de situação-problema. Dessarte, seria analisado o contexto de aplicação da lei, possibilitando que a decisão judicial opere uma adequação do sentido da norma para cada situação específica, focando [nos] valores sociais e fatos que permeiam o caso concreto.

Já conseguimos verificar o erro das alternativas “a”, “b” e “c”.

Quantos às demais, penso o seguinte.

A lógica do razoável não autoriza o intérprete desconsiderar o direito – como faz o Movimento do Direito Livre, por exemplo – mas defende um meio termo: nem despi-lo de valorações (exegetismo) nem promover uma anarquia jurídica.

Portanto, a parte final da alternativa “d” está errada:

  • ainda que os meios empregados sejam ilegítimos.

Quanto à “e”, isso já foi questionado anteriormente:

  • […] perspectiva da “lógica do razoável” de Recasens Siches […] resulta da análise e do desenvolvimento da estrutura da inferência correta (Q2307572 | FGV – 2023 – TJ-SE – Atividade Notarial e de Registro – Remoção; destaquei).

inferência correta corresponde à lógica silogística aristotélica, que se propõe a formular premissas universalmente válidas e inquestionáveis. Se resgatarmos o exemplo do furto, a inferência correta é a punição, inevitavelmente.

Porém, a lógica do razóavel opera com base em inferências possíveis, razoáveis. No caso do furto, embora o ordenamento preliminarmente determine a punição, a referida corrente recomendaria ao intérprete que analisasse, por exemplo, as condições materiais e sociais do réu, as circunstâncias do caso, a necessidade concreta de pena etc.

Daí o acerto da alternativa.

FONTE: NASCIMENTO, Filippe Augusto dos Santos. Manual de Humanística. 1ª ed. São Paulo: Juspodivm, 2022.