Inconstitucionalidade originária e superveniente

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Última Atualização 23 de abril de 2025

A doutrina do Direito Constitucional classifica as normas constitucionais quanto à sua eficácia, ou seja, conforme sua capacidade de produzir efeitos jurídicos imediatos. Essa classificação é fundamental para compreender a aplicabilidade das normas da Constituição em casos concretos. Vejamos as principais categorias:

1. Normas de Eficácia Plena

São autoaplicáveis, isto é, produzem todos os efeitos desde a promulgação da Constituição, independentemente de regulamentação infraconstitucional. São normas completas, com todos os elementos necessários à sua imediata aplicabilidade.

2. Normas de Eficácia Contida

Também são autoaplicáveis, mas com uma ressalva: sua eficácia pode ser restringida por lei infraconstitucional superveniente. Ou seja, aplicam-se de forma imediata, salvo se e quando uma norma infraconstitucional vier a limitá-las.

3. Normas de Eficácia Limitada

Diferentemente das anteriores, não são autoaplicáveis. Segundo Mendes e Trindade (2024, p. 18), esse tipo de norma “precisa de uma lei regulamentadora para poder aplicar-se a casos concretos”. Elas não produzem efeitos plenos por si sós, mas estabelecem objetivos e diretrizes para o legislador infraconstitucional.

4. Normas de Eficácia Absoluta

São as chamadas cláusulas pétreas, insuscetíveis de supressão mesmo por emenda constitucional. Sobre o impacto de reformas constitucionais, Eduardo dos Santos (2025, p. 203) adverte que normas infraconstitucionais anteriores e incompatíveis com a nova emenda não são declaradas inconstitucionais, mas sim não recepcionadas. Ele explica:

“Se fosse declarada inconstitucional, seria invalidada com efeitos ex tunc. Como será declarada não recepcionada, será revogada com efeitos ex nunc” (destaquei).

5. Normas de Eficácia Exaurida

São aquelas cujos efeitos já se concretizaram. Embora permaneçam no texto constitucional, não produzem mais efeitos jurídicos por já terem cumprido sua função.

Caso Concreto: Conflito entre Emenda de Eficácia Limitada e Lei Anterior

Situação hipotética:

  • Lei infraconstitucional municipal anterior: “é vedada a prática de greve por parte de servidores públicos municipais”.
  • Emenda constitucional posterior: “aos servidores públicos, inclusive municipais, é assegurado o direito de greve, nos termos da lei”.

Qual deve prevalecer?

Mesmo tratando-se de uma emenda de eficácia limitada, a emenda prevalece, seja pelo critério hierárquico (Constituição > lei infraconstitucional), seja pelo critério temporal (norma posterior > norma anterior).

Contudo, surge a dúvida: se a emenda é de eficácia limitada, ela revoga ou apenas condiciona a aplicação da lei anterior?

Pedro Lenza (2024, p. 183), com base em José Afonso da Silva, esclarece que normas constitucionais de eficácia limitada:

  • estabelecem deveres para o legislador;
  • condicionam a legislação futura (gerando inconstitucionalidade de normas que a contrariem);
  • orientam a atuação do Estado;
  • fornecem interpretação às demais normas;
  • limitam a atuação discricionária da Administração e do Judiciário.

E, sobretudo, destaca:

“Todas elas […] possuem eficácia ab-rogativa da legislação precedente incompatível […]” (destaquei).

Portanto, mesmo normas de eficácia limitada revogam totalmente normas anteriores que com elas sejam materialmente incompatíveis. Trata-se de ab-rogação, e não mera derrogação ou condicionamento interpretativo.

Além disso, o princípio da não contradição impede que um mesmo sistema jurídico reconheça simultaneamente como válida e inválida determinada conduta.

A LINDB, art. 2º, § 1º, reforça:

“A lei posterior revoga a anterior quando seja com ela incompatível.”

FGV (2025):

QUESTÃO CERTA: Em determinada relação processual, discutia-se incidentalmente a compatibilidade da Lei Municipal nº X com a Constituição da República. A questão central cingia-se à identificação da possibilidade de esse diploma normativo ser aplicado apesar de colidir com o superveniente Art. Y da Emenda Constitucional nº X, que tinha a natureza de norma de eficácia limitada e de princípio programático. Ao analisar o caso, o órgão jurisdicional competente decidiu, corretamente, que: apesar de carecer de regulamentação para a integração de sua eficácia, o Art. Y revogou a Lei Municipal nº X.

FGV (2025):

QUESTÃO CERTA: A Emenda Constitucional nº X (EC X) disciplinou determinada temática em norma de eficácia limitada. Essa norma, conforme o entendimento predominante, seria dissonante de uma norma de eficácia plena e aplicabilidade imediata, de natureza infraconstitucional, que fora editada em momento anterior. Com isso, instaurou-se uma grande celeuma em relação à possibilidade, ou não, de, na atualidade, ser aplicada a norma infraconstitucional. Nesse caso, é correto afirmar que: apesar de a norma de eficácia limitada carecer de regulamentação, ela revogou a norma infraconstitucional de eficácia plena.

Observe que inicialmente, foi produzida uma lei infraconstitucional regulamentando o texto constitucional vigente. Posteriormente, a Constituição foi modificada por Emenda Constitucional, o que tornou a referida lei infraconstitucional incompatível com o novo texto. Neste caso, quando se tem novo regramento constitucional, a lei infraconstitucional que for incompatível não será considerada inconstitucional (já que no nosso ordenamento não se tem inconstitucionalidade superveniente), mas sim revogada.

Conforme leciona a professor Nelma Fontana: “Inconstitucionalidade originária e superveniente: O primeiro ponto que devemos deixar claro é o seguinte: nem tudo o que contraria a Constituição é inconstitucional. A definição de uma lei ou ato normativo como inconstitucional pressupõe a observância do elemento contemporaneidade, uma vez que não se adota no Brasil a teoria da inconstitucionalidade superveniente. O direito pré-constitucional quanto não compatível com a Constituição superveniente não pode ser considerado inconstitucional. Se a norma anterior à Constituição for materialmente compatível com a nova Carta será recepcionada, mas se for materialmente incompatível, será revogada (ou não recepcionada como preferem alguns autores). Se a lei for anterior à Constituição, só poderá ser considerada inconstitucional em face daquela que valia quando de sua criação.”

(Curso Interativo de Direito Constitucional PG-MG – Estratégia Carreiras Jurídicas, 2025; Cap. 23.1 Espécies de Inconstitucionalidade – Livro Digital Interativo).

Fonte: Estratégia Concursos.

Observação:

Ensina Eduardo dos Santos (2025, p. 203):

  • “[…] questiona-se: se a Constituição é modificada por uma determinada reforma constitucional, as normas infraconstitucionais anteriores a essa Emenda à Constituição e que com ela sejam incompatíveis serão declaradas inconstitucionais ou consideradas não recepcionadas pela nova ordem constitucional estabelecida pela reforma? Como vimos, o direito brasileiro não reconhece a tese da inconstitucionalidade superveniente, isto é, normas infraconstitucionais editadas antes da Emenda à Constituição e incompatíveis com ela não serão declaradas inconstitucionais, sendo consideradas não recepcionadas, quedando-se revogadas desde a entrada em vigor da Emenda” (destaquei).

Conforme ele, a consequência prática é a seguinte:

  • “Se fosse declarada inconstitucional, seria invalidada com efeitos ex tunc. Como será declarada não recepcionada, será revogada com efeitos ex nunc” (destaquei).

FONTE

SANTOS, Eduardo dos. Manual de Direito Constitucional. 5ª ed. São Paulo: Juspodivm, 2025.