Formação e Evolução do Direito Internacional Público

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Última Atualização 25 de abril de 2025

O Direito Internacional Público (DIP) contemporâneo tem suas raízes ligadas ao surgimento dos Estados soberanos. O grande marco histórico deste processo foi a assinatura dos Tratados de Vestfália, em 1648, que colocaram fim à Guerra dos Trinta Anos. Esses tratados, também conhecidos como Tratados de Münster e Osnabruque, não apenas encerraram conflitos sangrentos de fundo religioso, como também instituíram formalmente a soberania estatal e redesenharam a carta política da Europa. Pela primeira vez, reconheceu-se oficialmente a liberdade religiosa total e o nascimento de novos Estados soberanos, rompendo com a autoridade centralizada do Papa e do Imperador do Sacro Império Romano-Germânico.

A Paz de Vestfália é considerada um ponto de inflexão porque estabeleceu os princípios fundamentais do sistema internacional moderno, como:

  • a soberania dos Estados,
  • a igualdade jurídica entre eles, e
  • o recurso aos tratados como forma institucionalizada de resolver problemas comuns.
    Além disso, criou-se um mecanismo de manutenção da nova ordem europeia, estruturando os primeiros elementos do direito público europeu.

Apesar de suas origens mais antigas, o Direito Internacional só se consolidou como ramo autônomo do Direito Público a partir do século XVIII. O jurista holandês Hugo Grotius, com sua obra De iure belli ac pacis (“Do direito da guerra e da paz”), é frequentemente citado como o “pai” do Direito Internacional por sistematizar os princípios que norteariam as relações entre os Estados com base na razão e no direito natural.

Fases do Direito Internacional

O desenvolvimento do Direito Internacional pode ser dividido em duas grandes fases:

  1. Fase Clássica (1648–1918):
    • Predomínio do jus ad bellum (direito à guerra) e do direito de colonização.
    • Foco central nas relações entre os Estados enquanto sujeitos exclusivos do DIP.
    • A guerra era tratada como um meio legítimo de resolução de conflitos.
  2. Fase Moderna ou Contemporânea (a partir de 1945):
    • Surge após a Segunda Guerra Mundial com um novo foco: a proteção internacional da pessoa humana.
    • Passa-se a impor limitações à soberania estatal, especialmente no uso da força.
    • A colonização é proibida e ganham destaque o Direito Humanitário (Direito de Genebra) e o Direito de Guerra (jus in bello – Direito de Haia).
    • O Direito Internacional se especializa em diversos ramos (ambiental, trabalhista, penal internacional etc.), as organizações internacionais se multiplicam e o indivíduo passa a ser reconhecido como sujeito de direito internacional.

Terminologia e Concepções

A expressão “Direito Internacional” foi cunhada em 1780 por Jeremy Bentham, para distinguir esse ramo jurídico do Direito Nacional e do Direito Municipal. Mais tarde, a França introduziu o termo “Direito Internacional Público”, a fim de diferenciá-lo do Direito Internacional Privado. Outros termos ainda usados são “Direito das Gentes”, “jus gentium” ou “jus inter gentes”.

Embora o DIP moderno tenha se consolidado com a Paz de Vestfália, elementos embrionários do Direito Internacional já existiam na Antiguidade. Exemplo disso é o tratado entre Lagash e Umma (c. 2100 a.C.) e o tratado entre Ramsés II e os hititas. Na Grécia Antiga, ainda que limitadas a cidades-Estado, as relações externas já eram parcialmente reguladas. O direito romano desenvolveu o conceito de jus gentium, uma forma primitiva de Direito Internacional que regulava as relações com estrangeiros.

Durante a Idade Média, embora a Igreja Católica exercesse influência supranacional por meio do direito canônico, e embora existissem códigos comerciais e marítimos com aplicação ampla, ainda não se pode falar em um verdadeiro Direito Internacional autônomo. Esse processo de autonomização somente se intensificou na Idade Moderna (1453–1789), especialmente em razão das guerras religiosas e da Reforma Protestante, que enfraqueceram o poder da Igreja e fortaleceram os Estados nacionais.

Limitações Estruturais do DIP

Apesar de sua evolução, o Direito Internacional não é um sistema inteiramente consolidado. A ausência de um poder soberano global ao qual todos os Estados estejam subordinados gera debates sobre sua eficácia. Muitos doutrinadores apontam que o DIP funciona com base na comitas gentium, ou seja, na cortesia entre as nações, o que implica que seus princípios muitas vezes não geram obrigações jurídicas vinculantes. Nesse sentido, o Direito Internacional pode ser visto, em certos aspectos, como um instrumento subsidiário, um guia para os chefes de Estado, sem força cogente dentro dos territórios nacionais.

CEBRASPE (2014):

QUESTÃO CERTA: O direito internacional público surgiu na Idade Moderna, como disciplina jurídica subsidiária ao poder absolutista dos soberanos europeus e do Estado nacional moderno, a partir de estudos sobre direitos referentes à guerra e à paz entre as nações.

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Descrição da CaracterísticaFase do DIPJustificativa
A centralidade do indivíduo como sujeito pleno de direitos e deveres no plano internacionalModerna / ContemporâneaApós a Segunda Guerra Mundial, o indivíduo passa a ser sujeito de DIP, com destaque para os direitos humanos.
A existência de numerosas instituições internacionais permanentes com amplas competênciasModerna / ContemporâneaEx: ONU, OMC, OEA — características da nova ordem internacional e da governança global.
O consentimento dos Estados como fonte principal das normas internacionaisClássicaOs Estados eram soberanos absolutos e só se obrigavam mediante seu consentimento expresso.
A objetivação das normas internacionais, vinculando os Estados independent emente do consentimento expresso Moderna / ContemporâneaAparece com o conceito de normas imperativas (jus cogens) e obrigações erga omnes.

Repassando sobre a evolução (cronologia):

A evolução do Direito Internacional Público (DIP) moderno pode ser compreendida a partir de marcos históricos fundamentais que indicam transformações profundas em suas estruturas, finalidades e princípios. Dentre esses marcos, destacam-se a Paz de Vestfália (1648), o Tratado de Versalhes (1919) e a criação da Organização das Nações Unidas (ONU) após a Segunda Guerra Mundial (1945). Cada um desses eventos se conecta diretamente às principais tendências evolutivas do DIP: universalização, regionalização, institucionalização, funcionalização, humanização, objetivação, codificação e jurisdicionalização. A partir dessas rupturas históricas, é possível distinguir duas grandes fases do DIP moderno: a fase Clássica e a fase Contemporânea.

1. A Paz de Vestfália (1648) e o Direito Internacional Clássico

A Paz de Vestfália, que encerrou a Guerra dos Trinta Anos, é amplamente considerada o ponto de partida do Direito Internacional moderno. Ela consolidou os princípios da soberania estatal e da igualdade jurídica entre os Estados, fundando as bases do sistema interestatal europeu.

Principais características do DIP Clássico:

  • Centralidade dos Estados soberanos: O Estado era o único sujeito pleno de direitos e deveres internacionais.
  • Consentimento como fundamento normativo: Os Estados só se vinculavam às normas que aceitavam formalmente.
  • Ausência de instituições permanentes: O sistema era predominantemente consuetudinário e baseado em tratados bilaterais.
  • Fragmentação e bilateralismo: As normas eram específicas para relações entre dois Estados, sem pretensão de universalidade.
  • Codificação escassa e normatividade reduzida: Havia pouca sistematização formal das normas internacionais.

Em termos das tendências do DIP, essa fase apresentava incipiente institucionalização, praticamente nenhuma humanização, e uma jurisdicionalização frágil, com raros tribunais internacionais e pouca efetividade normativa.

2. O Tratado de Versalhes (1919) e a Transição para a Contemporaneidade

O fim da Primeira Guerra Mundial e a assinatura do Tratado de Versalhes marcam o início da transição para o Direito Internacional Contemporâneo. O tratado criou a Sociedade das Nações, primeira organização internacional voltada à manutenção da paz e da cooperação entre Estados.

Novas tendências que emergem:

  • Institucionalização: A criação da Sociedade das Nações inaugura a presença de instituições multilaterais permanentes.
  • Funcionalização: O DIP passa a abarcar áreas como saúde, trabalho e economia (ex: criação da OIT).
  • Início da humanização: Ainda que tímida, surge a proteção a minorias e a populações ocupadas.
  • Codificação crescente: As normas começam a ser sistematizadas e formalizadas.

Contudo, a fragilidade institucional da Liga e a ausência de mecanismos coercitivos eficazes contribuíram para sua ineficácia, abrindo caminho para a eclosão da Segunda Guerra Mundial.

3. A Segunda Guerra Mundial e a Fundação da ONU (1945): Consolidação do DIP Contemporâneo

O trauma da Segunda Guerra Mundial e os horrores do Holocausto impulsionaram uma reconfiguração profunda da ordem internacional. A criação da Organização das Nações Unidas, em 1945, consolida definitivamente o Direito Internacional Contemporâneo, com uma estrutura normativa e institucional voltada à paz, à cooperação global e à proteção da dignidade humana.

Características centrais dessa nova fase:

  • Universalização: A ONU abrange quase todos os Estados soberanos, com vocação global.
  • Institucionalização robusta: Além da ONU, surgem organismos especializados e tribunais como a CIJ e o TPI.
  • Humanização: Com a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), o ser humano torna-se sujeito de direitos internacionais.
  • Objetivação das normas: Algumas normas, como a proibição da tortura ou do genocídio (jus cogens), vinculam os Estados independentemente do consentimento.
  • Jurisdicionalização crescente: Fortalecimento de cortes internacionais e arbitragem como meios legítimos de resolução de controvérsias.
  • Regionalização: Organizações regionais como a União Europeia, OEA e União Africana ganham papel normativo relevante.
  • Funcionalização ampliada: O DIP passa a regular temas diversos como meio ambiente, migração, comércio, cibersegurança, entre outros.
  • Codificação intensa: A Comissão de Direito Internacional da ONU lidera processos sistemáticos de codificação e desenvolvimento progressivo do DIP.

Resumo Comparativo das Fases

AspectoDireito Internacional ClássicoDireito Internacional Contemporâneo
SujeitosEstadosEstados, indivíduos, organizações internacionais
Fonte principalConsentimento dos EstadosNormas imperativas, tratados multilaterais
InstituiçõesQuase inexistentesONU, OMC, OEA, tribunais internacionais
FocoRelações interestataisCooperação global e proteção da dignidade humana
CodificaçãoEscassaExtensiva, com tratados universais
JurisdicionalizaçãoFrágil e excepcionalCrescente e institucionalizada
RegionalizaçãoQuase ausentePresente em vários continentes
Direitos HumanosFora do escopoElemento central